domingo, 4 de julho de 2010

A insustentável leveza do ódio

Era mais uma madrugada de meio de semana desperta. Um privilégio limitado em luxo, dos canais abertos, apenas os três primeiros possuem programação, ou então você tem que falar para ser escutado, isso para mim não é televisão.

O programa mais rentável à alma erudita era sem dúvida o do primeiro canal, algo terceirizado, simples demais, com recursos precários e áudio judiado. O pedagogo magro e de barba grisalha, porém, ficou marcado em minha vida. Suas palavras me faziam começar a ver não só o ser humano, mas o futebol de forma diferente de como absorvia até então.

“Eu tinha uma vizinha que crescemos com ela chamando a polícia para nós. Era quando jogávamos bola na rua na infância, quando fazíamos barulho de noite na adolescência. O filho dela em compensação nunca teve a atenção dela, era tímido e o pior aluno da sala.”

Achar que o ódio é privilégio dos caguetas desprovidos de carinho ao próximo é o que eu deveria acreditar a partir de então, mas não foi o que aconteceu, principalmente por gostar muito de futebol.

O esporte favorito do brasileiro inclusive não é o futebol, mas torcer por clubes que praticam a modalidade. O futebol fica em segundo plano, se fosse o vôlei o esporte número um, por exemplo, a forma primitiva de o brasileiro torcer seria a mesma.

Vale torcer contra, a favor, mais, menos, secundariamente, fanaticamente, patrioticamente e até mesmo por modismo! O importante é achar algo para torcer e, claro, tem que ser dentro do mundo do futebol, afinal o ser humano depende da aceitação para ser feliz.

E é torcendo que o ser humano se revela. Também tenho uma vizinha que se preocupa mais com a vida dos outros que com a dela. Se não está quebrando o pau com o namorado (a mãe é surda, então a baranga abusa mesmo), está vendo o jogo do time... dos outros!

Ela, corintiana, raramente solta berros de gol quando seu time o fez e, olha que só ano passado foram dois títulos em um semestre. Agora quando está passando jogo do SPFC a bambizada não pode tomar gol que é festa, barulho, comemoração exagerada no apartamento 62.

Foram quase três anos presenciando tal manifestação de ódio até perguntar a ela o porque disso. Claro que a vizinha ficou inicialmente confusa e irritada, mas cedeu e admitiu que nunca tinha reparado, que torcia sim para seu time, enfim... desde tal dia nunca mais ouvi ela comemorando um gol contra o time que leva o nome da capital paulista.

Esses dias meus amigos palmeirenses sequer se importavam com a desclassificação na Copa do Brasil, estavam felizes no dia seguinte porque o Corinthians havia perdido o tão sonhado título continental no ano do centenário.

Na Copa do Mundo o mesmo acontece. Em meio à são-paulinos que torcem para o Uruguai do ídolo Lugano, encontramos a unanimidade em brasileiros satisfeitos com a goleada sofrida pela Argentina. Mesmo que Maradona e sua soberba maior que a própria pança não existisse seria a mesma coisa hoje.

Ontem, porém, comentei com parentes e amigos que me chocava ao ver a falta revolta do brasileiro perante a derrota sofrida para a Holanda. Um jogo ao qual o Brasil mereceu perder porque acreditou que podia ganhar a qualquer momento enquanto seus críticos acreditavam ser uma equipe sem capacidade individual de decisão.

A forma como os críticos ganharam a aposta com aqueles que defendiam Dunga e tudo que ele acredita e representa, foi tão patética que ninguém ficou reclamando, chorando, se revoltando.

A imprensa, que torcia pelo Brasil, mas detesta o Dunga, não tem pesado no técnico e muito menos chorado com o país. O torcedor, que defendia Dunga de uma forma geral, não se revoltou com o plano infalível do eterno capitão do tetra, muito menos tem vuvuzelado os jogadores.

Mas contra a Argentina, foi uma festa geral! Não era a comemoração dos gols da Alemanha, dos torcedores brasileiros, só em Pomerode a maioria teria comemorado os gols alemães da mesma maneira se fosse contra Gana ou Espanha. Era a comemoração dos gols em cima da Argentina. A justificativa comum é que se caímos, temos que levar os hermanos junto.

Porra, que amor que o brasileiro tem pela Argentina não? Parece quando somos criança e ouvimos: “vocês brigam tanto que vão acabar casando”. Odiamos tanto eles que gastamos um tempo enorme até mesmo em nos fodermos juntos com eles. Porque um bacanal justo com os argentinos? Eu prefiro as tchecas!

Quem se fodeu, na minha opinião, fui eu. Esperava um grande jogo e foi partida de uma equipe só! Não torço contra nenhuma seleção da Copa e também não torço a favor. Como brasileiro quero sempre ver o Brasil ganhando, não importa que tenha um cara de bigodinho parecido com o Hitler no banco de reservas da seleção há duas décadas.

Se o nosso país já caiu, bola para frente, que vença o melhor e, pode ser qualquer um dos quatro que disputam o título. A Alemanha só por sua tradição torna-se favorita, mas três goleadas em cinco jogos na competição ajudam a dar confiança ao seu elenco.

Fora eles qualquer outro campeão será surpresa, mas isso não importa, o importante é que vimos o inimigo morrer após nos ver vencidos!

Raoul Moravia

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